O Grupo de Pesquisa de Enfermagem e as Políticas de Saúde Mental da
Universidade de São Paulo, associando-se a outras manifestações da
sociedade civil organizada, vem, por meio desta nota, manifestar seu total
repúdio às proposições para uma nova Política Nacional de Saúde mental,
divulgada por meio da NOTA TÉCNICA nº
11/2019 CGMDA/DAPES/SAS/MS que evidencia modificações profundas na Política
de Saúde mental e na Política Nacional sobre Drogas que foi construída ao longo
das últimas quatro décadas por trabalhadores da saúde, usuários e seu
familiares, pesquisadores e associações, numa clara tentativa de retrocessos
que beneficiam uma única corporação profissional e entidades religiosas.
Lembramos que o Sistema
Único de Saúde (SUS) possui instâncias de construção das políticas, em dialogo
com a sociedade nas Conferências de Saúde (municipais, estadual e nacional),
que possibilita controle e participação social. Esta Nota Técnica desrespeita a
Constituição e as Conferências realizadas e tenta desconstruir avanços que
foram democraticamente garantidos, afrontando o SUS e a Reforma Psiquiátrica
brasileira.
O movimento da Reforma
Psiquiátrica, composto por trabalhadores, usuários e familiares denunciaram, a
partir dos anos 1970 grave situação de violação de direitos humanos nos
hospitais psiquiátricos brasileiros. Diante do contexto, passou-se a pensar em
outras formas de produzir cuidado que não fosse pelo viés da institucionalização.
Esses dispositivos iniciam experiências exitosas substitutivas aos hospitais
psiquiátricos, pois realizam o cuidado pelo conceito da Reabilitação
Psicossocial, produzindo cidadania e inclusão social às pessoas com transtorno
mental.
A Nota Técnica citada
anteriormente coloca em risco conquistas asseguradas pela lei 10.216/01, ao
afirmar que “não considera mais serviços como sendo substitutos de outros”,
reafirmando o hospital psiquiátrico como lugar privilegiado no tratamento e
redirecionando o financiamento para as instituições asilares.
Outro ponto alarmante da
Nota é quando esta reafirma as comunidades terapêuticas (denunciadas como lugar
de violação de direitos) enquanto serviço da Rede de Atenção Psicossocial para
cuidar de pessoas em uso abusivo e/ou dependência de álcool e outras drogas,
bem como prevê financiamento para a realização de eletroconvulsoterapia.
No campo da Saúde Mental
para crianças e adolescentes, não há uma linha propositiva, apenas ressalvas
para que os CAPS tipo IV (dirigidos às “cracolândias”) possam atender
adolescentes e adultos “conjunta ou separadamente” e debatendo o mesmo problema
em relação à internação de crianças e adolescentes em hospitais psiquiátricos,
embasando-se em um parecer do Conselho Federal de Medicina.
Vemos ao longo de todo o
documento que a Psiquiatria ganha primazia em detrimento aos outros campos do
saber que se ocupam da assistência, do cuidar e da inclusão social da loucura e
do sofrimento psíquico.
Estamos vivenciando um
retrocesso atroz, no qual a política oficial caminha para silenciar e
enclausurar a loucura, confinando-a em manicômios produzindo exclusão e estigmatização
das pessoas com transtorno mental.
Ainda que retirada do
website do Ministério da Saúde um dia após a sua publicação, a citada Nota
Técnica está fundamentada na Resolução nº 32, de 14/12/2017 e ataca
frontalmente a Lei 10.216 - que é uma conquista democrática no campo da saúde
mental.
Enquanto pesquisadores e
estudiosos deste complexo campo, que produzimos evidências científicas sobre o
cuidar em liberdade, denunciamos os riscos de retrocessos e afirmamos a
necessidade do constante diálogo para vivermos em uma sociedade inclusiva.